07 janeiro 2010

A relação de amor entre o gaúcho e o cavalo

Uma crônica de Eduardo Festugato, médico gáucho que adora os cavalos de todas as raças.

“QUANDO ME SINTO BEM MONTADO...”

“Cuando me hallo bien montao, de mis casillas me salgo...” é um verso do Martin Fierro. Diz que quando me sinto bem montado, já não sou mais o mesmo. Significa liberdade, já que “casilla” é a casa que prende o botão. Isto é tradução do estado de espírito transmitido pela montaria (carro, cavalo, dinheiro): liberdade e poder. É o sentimento de masculinidade patrocinado pela testosterona, que atinge o seu ápice na luta e na cópula: “ninguém é mais homem do que quando luta ou copula com sucesso”. Talvez o grande fascínio do cavalo seja estimular a autoestima ao adubar o ego. Não deixa de ser uma forma de intimidação, como a farda, a batina, a gravata, a barba, a mesa do juiz, elevada sobre um estrado. E o trono, sempre no alto. “Cavalo, pra mim é trono / E nesse trono eu me criei.” Gaúcho de a pé é general de pijama.

***

Pastor por vocação, jamais agricultor, o gaúcho serrano sobrevivia da criação do gado como um “gigolô de vacas”. Montado no seu cavalo do andar como num trono, nenhum touro lhe parecia brabo. O sentimento de poder, proporcionado pela montaria, é que o tornou confiante e poderoso, raiando a arrogância, igual ao comandante na frente do Regimento, o legítimo “pai dos homens... e marido das mulheres”. José Hernández tem razão: “Montado num bom cavalo eu já não sou mais o mesmo...” Montar é um gesto de domínio e subjugação que precisa da autoconfiança. Sem autoconfiança não se domina, não se monta... nem se copula.

É em peitos assim que floresce a paixão desenfreada pelas mulheres, pelo jogo e pelos cavalos. São homens quentes, com temperamento ardente de beduíno: sangue aquecido por abrasadores sóis de mil Saaras, nutridos de carne, hormônio e guitarra. Por isso, não se angustiam com incertezas futuras: vivem o momento presente com toda as forças da alma, desmedidamente, como se fosse o último de suas vidas. Morrem pelas suas causas partidárias; vão à falência por causa de uma morena; perdem tudo o que têm nas patas de um cavalo, como aconteceu com Flores da Cunha: “O que me perdeu foram cavalos lerdos... e mulheres ligeiras”. Vivem perigosamente, com delírio e com loucura, escolhendo seus próprios caminhos, avessos a rédeas, afastados de trilhos.

A mais perfeita caracterização da alma gaúcha, não há dúvida, nos foi dada por Luiz Coronel no seu belíssimo poema “Gaudêncio Sete Luas fala de pencas”, que termina assim: “Lá vou eu, no trote lento, / assobiando no caminho. / Só não corro contra o vento / porque o vento é meu padrinho.

“Só não corro contra o vento / porque o vento é meu padrinho”. Esse é o verdadeiro gaúcho: livre como vento, sem compromissos nem raízes, como os povos nômades e os pastores. São os afilhados do vento... Hoje estão aqui; amanhã... quem sabe onde?

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