“QUANDO ME SINTO BEM MONTADO...” |
“Cuando me hallo bien montao, de mis casillas me salgo...” é um verso do Martin Fierro. Diz que quando me sinto bem montado, já não sou mais o mesmo. Significa liberdade, já que “casilla” é a casa que prende o botão. Isto é tradução do estado de espírito transmitido pela montaria (carro, cavalo, dinheiro): liberdade e poder. É o sentimento de masculinidade patrocinado pela testosterona, que atinge o seu ápice na luta e na cópula: “ninguém é mais homem do que quando luta ou copula com sucesso”. Talvez o grande fascínio do cavalo seja estimular a autoestima ao adubar o ego. Não deixa de ser uma forma de intimidação, como a farda, a batina, a gravata, a barba, a mesa do juiz, elevada sobre um estrado. E o trono, sempre no alto. “Cavalo, pra mim é trono / E nesse trono eu me criei.” Gaúcho de a pé é general de pijama. *** Pastor por vocação, jamais agricultor, o gaúcho serrano sobrevivia da criação do gado como um “gigolô de vacas”. Montado no seu cavalo do andar como num trono, nenhum touro lhe parecia brabo. O sentimento de poder, proporcionado pela montaria, é que o tornou confiante e poderoso, raiando a arrogância, igual ao comandante na frente do Regimento, o legítimo “pai dos homens... e marido das mulheres”. José Hernández tem razão: “Montado num bom cavalo eu já não sou mais o mesmo...” Montar é um gesto de domínio e subjugação que precisa da autoconfiança. Sem autoconfiança não se domina, não se monta... nem se copula. É em peitos assim que floresce a paixão desenfreada pelas mulheres, pelo jogo e pelos cavalos. São homens quentes, com temperamento ardente de beduíno: sangue aquecido por abrasadores sóis de mil Saaras, nutridos de carne, hormônio e guitarra. Por isso, não se angustiam com incertezas futuras: vivem o momento presente com toda as forças da alma, desmedidamente, como se fosse o último de suas vidas. Morrem pelas suas causas partidárias; vão à falência por causa de uma morena; perdem tudo o que têm nas patas de um cavalo, como aconteceu com Flores da Cunha: “O que me perdeu foram cavalos lerdos... e mulheres ligeiras”. Vivem perigosamente, com delírio e com loucura, escolhendo seus próprios caminhos, avessos a rédeas, afastados de trilhos. A mais perfeita caracterização da alma gaúcha, não há dúvida, nos foi dada por Luiz Coronel no seu belíssimo poema “Gaudêncio Sete Luas fala de pencas”, que termina assim: “Lá vou eu, no trote lento, / assobiando no caminho. / Só não corro contra o vento / porque o vento é meu padrinho.” “Só não corro contra o vento / porque o vento é meu padrinho”. Esse é o verdadeiro gaúcho: livre como vento, sem compromissos nem raízes, como os povos nômades e os pastores. São os afilhados do vento... Hoje estão aqui; amanhã... quem sabe onde? |
07 janeiro 2010
A relação de amor entre o gaúcho e o cavalo
Uma crônica de Eduardo Festugato, médico gáucho que adora os cavalos de todas as raças.
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