16 fevereiro 2011

Feirante dá aula de marketing



 Por Laércio Sábato

Sempre gostei das tiradas inteligentes. Aquelas que só os sujeitos “acima da média”são capazes de bolar e que alguns “razoavelmente espertos” são capazes de entender. Nunca esqueço da forma como o Jorge Bouquet, colega do curso médio e depois cineasta, livrou-se no exame oral da curiosa pergunta da Myrian, exigente professora de Biologia, que pretendia medir os conhecimentos do aluno sobre a formação das células:
- Senhor Jorge, qual a semelhança entre o elefante e a palmeira?
Meu amigo acusou o golpe e respirou fundo. Depois, em meio ao clima de suspense que se formou, manteve o ar de seriedade, e disparou, sem se fazer de rogado:
- É que nenhum dos dois serve para fazer doce de abóbora!
Não foi reprovado. Nem advertido. A examinadora acabou aceitando seus argumentos de que a questão, como foi formulada, admitia muitas respostas. Até aquele disparate.
Doutra feita, um funcionário de um grande banco viu-se em apuros para explicar para superiores e colegas porque dissera, na fila do elevador, a contundente frase: o ascensorista aqui na empresa é mais eficaz que o presidente. Levou um tempão para convencer o pessoal, com a história que o ascensorista cumpria com precisão 100% das atribuições previstas na sua descrição de cargo, enquanto o presidente ficaria contente se correspondesse a 80% das expectativas dos acionistas. Os comentários só pararam quando o próprio presidente chamou o funcionário tagarela para cumprimentá-lo pela correta constatação.
Todo esse intróito para explicar o título desta postagem. Feito pra criar impacto. Que poderia se resumir na singela pergunta: Quem entende mais de marketing: os Diretores do Jockey ou o modesto feirante?
O assunto me ocorreu quando fazia a feira, no domingo. Como era dia de corridas, deixei para rabiscar esta encheção-de-linguiça durante a semana.
No caminho da feira faço mentalmente uma pré-avaliação de preços, do tipo “quanto estou disposto a pagar”. Como o turfista, quando tenta prever as cotações de cada animal, para decidir se interessa apostar. No último domingo, sabia que o tomate, por exemplo, estava com o preço nas alturas (informação de cocheira). Tinha até preparado uma gozação (me dá cem gramas aí) para cutucar o pessoal da barraca do japonês. Não deu outra: o precioso legume oscilava entre quatro e cinco reais, coisa para assustar o bolso mais generoso. Achei que ninguém ia levar. Nem os italianos (ir à feira e não comprar tomates é pior que ir a Roma e não ver o Papa). Mas os comerciantes acharam um jeito de não assustar a freguesia. Passaram a vender em “porções” (bacias), com peso um pouco menor e preço mais acessível. Para os que resistiam, vinha o convite: levar um produto ligeiramente inferior, ali ao lado.
O mesmo expediente funcionava para outros gêneros: a mandioca, que podia ser encontrada in natura, descascada e até cozida; a melancia, oferecida inteira, em metades ou em repartes; e por aí afora. O importante é que o vendedor sempre procurava eliminar os óbices de venda. O preço (no tomate), o incômodo de processar (na mandioca), o tamanho (na melancia).
Na tarde do mesmo domingo o Casella pegou mais uma vez a peteca, digo microfone, com a difícil incumbência de proclamar atrativos em um produto mal desenhado e mal embalado. Que começava com três páreos de apenas cinco números, dois com seis, e um com sete (isso porque a raia original foi mantida, caso contrário poderia ser menos), em nove programados. Qualquer crítica que se faça será rebatida com a resposta da carência de animais, de terem sido essas as inscrições apuradas na formação dos programas.
Faz pelo menos 15 anos que sugiro à toa acabar com o tal “projeto de inscrições”. Formar os programas com base no recenseamento permanente dos animais aptos. Às segundas-feiras os treinadores informariam seu lote (muito fácil hoje, com a Internet). Toda terça sairia uma programação que maximizasse a planta existente. Lembro aqui que hipódromos menores (sem manias de grandeza injustificáveis) acabaram fazendo isso para sobreviver.
Outro ponto difícil de entender é o da “inflexibilidade do cardápio”. Qualquer que seja a composição do programa formado, entram os concursos e as apostas rotineiras. Quem disse que páreo de sete ou menos animais tem que ser trifeta? E que de oito para cima tem que ser quadrifeta? Há páreos em que o grau de dificuldade independe do número de animais.Uma quadrifeta em um páreo de sete não pode ser mais complexa que uma trifeta em um páreo de oito ou mais? E os concursos? Não era previsto antigamente que teriam que ser de “X” pontos. Porque não um bolo de sete, ou de nove, dependendo do programa? E os preços das apostas unitárias (valor por inversão) não poderiam variar também, dependendo dos páreos formados neste ou naquele programa?
Nisso também os hipódromos menores agem melhor, oferecendo o remate. O leiloeiro com liberdade de apregoar duplas ou exatas, quando aparece um favorito proibitivo
Voltemos à feira-livre. O feirante, como dono do negócio, oferecia, horas antes, seus produtos como melhor entendesse. Procurando identificar o desejo (necessidade) do consumidor e oferecer, de forma lucrativa, o produto para satisfazê-lo (definição mais elementar do marketing, ensinado nas escolas). Sem sequer contar com ajuda da tecnologia.
O Jockey, à tarde, oferecia um produto por natureza prescindível (apostas), pouco atraente para o mais animado dos jogadores. Congelado na sua composição desde a formação dos programas, dias antes. E “embalado” de forma estandardizada (vencedor, placê, dupla-exata, trifeta, quadrifeta, concursos rotineiros). De nada adianta dispor de canais de comunicação e venda com tecnologia avançada (mas também cara). Dá no que deu neste domingo: 400 mil de movimento em CJ, cuja retirada provavelmente não cobre os insumos (só de bolsas de prêmios foram mais de 90 mil, sem prova clássica).
O locutor e comentaristas (mesmo encarados como promotores de venda) não podem fazer milagre. Fica difícil vender o produto que a empresa fabricou.
O feirante pinta e borda na sua barraca. É o dono.
Os donos do Jockey são os associados. Que elegeram uma Diretoria para representá-los. Alguém tem que chamar para si a incumbência de mexer no produto que é colocado à venda.
Ou admitir que o feirante é barbada na competição de marketing com os Diretores do Jockey
Finalizando, se alguém quiser questionar meu primeiro parágrafo argumentando que quero me arvorar a ser o que não sou (inteligente, por exemplo) devo lembrar a velha piada do sujeito que vai trocar um pneu furado na porta do hospício e não encontrando os parafusos que havia retirado às pressas vê-se em apuros e é ajudado por um louco que lhe recomenda tirar provisóriamente um de cada uma das outras rodas para resolver o problema. Após fazê-lo, no entanto, vira-se para para o colaborador, sentado no muro do manicômio, indagando: espera aí, você não é louco? E ouve como resposta: louco eu sou; mas não sou burro!

3 comentários:

  1. Perfeito Laercio o seu comentário , o problema que o nosso turfe é AMADOR, coloca pessoas, em certos cargos, que não tem a minima noção de JOGO,não dão a minima para o apostador , que são a Mola Mestra ,dessa atividade,e o pior, não fazem por onde ,criar um atrativo maior, como vc já muito bem explanou. Espero que a partir de 15 Março , com a posse do novo Presidente, que com certeza irá se concretizar , o meu querido JCSP em prol de seus inumeros aficcionados, retome a sua hegemonia no Turfe Brasileiro.Abraços.

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  2. Laercio meus parabens...texto sensacional.

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  3. Meu caro Aron:

    Acabo de ler a postagem do Laércio Sábato. Peço-te que sejas o meu intérprete e o felicite efusivamente. O homem tocou em uma das feridas mais putrefatas da administração Novo Jockey: visão tacanha do que seja marketing, mesmo o mais elementar. Só faltou ao velho e bom Laércio dizer que o sistema de apostas do clube está fora da realidade do poder aquisitivo da grande maioria dos apostadores. Com inversões nas alturas, só os cheios da grana têm alguma possibilidade de acerto. Aos poucos, o zé povinho vai sumindo do prado e das agências por absoluta falta de numerário. Hoje, o turfista com 20 reais ou um pouco mais fica à zero muito antes do fim da reunião. O que explica os pífios movimentos de apostas.

    Estou torcendo para que essa diretoria vá para o espaço em Março. Eu e a maioria dos turfistas,

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