Por Laércio Sábato
O assunto raia/ferrageamento tem ocupado espaço considerável deste modesto, mas bem intencionado, Blog.
Imagino o que era a vida de um comissário de turfe de muitos anos atrás, nos dias de chuva. Das inquietações do presidente do órgão, nem é bom falar. O último, que me lembro, talvez por sua personalidade forte, era Caetano Liberatori. O muda/ não muda da pista era decidido através de inspeção pessoal, via-de-regra apoiado na opinião de profissionais do treino e da monta. E, é claro, qualquer que fosse a decisão, salvo as muito evidentes, dava chiadeira. Para atenuar o impacto de mudanças e preservar a qualidade técnica da programação, sempre que possível eram poupadas as provas clássicas. Na falta de um termo para definir esse período, vou chamá-lo aqui de “fase bom senso assistido”.
Aí alguém lembrou que em grande número de hipódromos, pelo mundo afora, havia um aparelho capaz de medir com que intensidade as chuvas teriam prejudicado o estado normal das pistas. Ante a perspectiva de contar com o importante reforço e aliviar a pressão nas decisões, adotou-se a novidade, dando-se a ela o deselegante nome de “Penetrômetro”. Quando estive Diário Popular, o temor do palavrão camuflado fez com que um sub editor (substituía com vantagem os antigos revisores), depois de várias tentativas de substituir o nome da geringonça, acabasse pautando uma matéria sobre o assunto. Foi quando conheci, sua excelência, o Penetrômetro. Era uma ferramenta rudimentar (não sei se ainda é a mesma) composta de uma lança acionada por um peso (martelete) que penetrava o solo com maior ou menor intensidade, exibindo numéricamente o resultado. A metodologia de uso também era simplória, consistindo na medição de 3 pontos, sobre os quais era feita uma média aritmética. Não tinha (e acredito que não tenha ainda hoje) qualquer rigor científico, mas de toda forma representava um avanço do tipo “é igual pra todo mundo”. Vou chamar essa fase de “advento da numerologia”.
Seguimos adiante .Como convém a todo tecnocrata que se preze, passando ao largo da imprecisão do aparelho, alguém teve a luminar idéia: temos agora uma medição, porque não associá-la ao projeto de inscrições? Páreo do tipo A, número tal; páreo do tipo B, número tal; e assim por diante...No elenco das gozações consta até que alguns cavalos mais organizados, chegaram a ensaiar uma passeata pela pista, portando faixas com os dizeres “somos todos iguais perante a lei”. Ainda nesta fase de questionamentos ou elucubrações, a pergunta que provavelmente se fez, inclusive para aplacar os resquícios de reclamações, foi: ora, quem define alterações de raia, somos nós ou é o aparelho? Vamos pelo menos trabalhar com uma margem para cima ou para baixo da medição. Na mesma esteira, adotou-se um intervalo maior para as provas de linha reta, baseado nos testemunhos de profissionais de que sem as curvas há maior segurança.
E quanto aos horários de medição, o que dizer: referencial (outra pérola) e normal, além das ressalvas. Nas diurnas, 5 e 1 hora antes, respectivamente; nas noturnas 9 e 1 hora antes, respectivamente.
Além das inquietações derivadas do “advento da numerologia”, é bom não esquecer da questão protocolar de dar um nome para a raia do dia, sob pena de enfurecer os puristas. Ou seja, era possível aparecer, como apareceu, um mesmo número com diferentes nomenclaturas. E ainda para resolver o problema do ferrageamento dos previstos como desferrados. Aí o número e os horários de medição não serviam. Era preciso dar mais prazo e dependeria da denominação formal. Para futuras observações vou timbrar esses instantes mágicos como “fase da volúpia tecnocrática”
Positivamente, não há traseiro que agüente.
Alô cineastas de plantão. Os cavalinhos vestidos de gala e os turfistas com o dinheiro na mão querendo saber onde é a festa.
De preferência na Geral.
Sugiro as seguintes medidas, que poderão ser implementadas se houver vontade política:
- Eliminar a história do ponto acima e ponto abaixo (qualquer turfista-mirim sabe que será adotado o que mantém na prova o maior número de participantes). Se necessário alterar de uma vez os parâmetros, onde está 10 altere-se para 11;
- Unificar para 4 horas antes do primeiro páreo o horário final para divulgação da raia, obedecendo fielmente a medição apontada pelo penetrômetro;
- Alterar a apresentação do Programa Oficial, e conseqüentemente suas transcrições, colocando-se nos páreos de grama, ao lado da distância e pista, o índice que valida a manutenção para aquela enturmação Exemplo: 1300 Grama (Até 7,5). Nos páreos de quilômetro já seria incorporado também o meio ponto. No cabeçalho do Programa haveria espaço reservado para o turfista anotar o índice do dia.
- Em sendo assim, associar também ao penetrômetro, segundo índices previamente convencionados, o ferrageamento de cada competidor conforme manifestação de seus responsáveis no ato da inscrição. Essa informação também constaria do Programa Oficial na linha do animal. Exemplo: Meu Campeão D<5,1 (o competidor vai desferrado se o penetrômetro do dia for inferior a 5,1).
Laércio,
ResponderExcluirSou suspeito em falar, mas isso não foi uma postagem sobre estado de raia; foi uma tese e que por enquanto está sendo aprovada com nota máxima dos nossos rigorosos leitores. Parabéns.
Laércio
ResponderExcluirConcordo com o Aron, isso escrito é aula máxima.
Como diz o Alberto Leon, com seu jeitão boa gente, achamos um turfista na rua fácil, é só ver quem olha constantemente para o céu.
E como turfista tem sua maluquice,sua mania, tenho em casa um vaso de planta que é meu penetrômetro particular. Estando a terra molhada, areia; umida vou ter que consultar a sopa de letras da turma; normal, soltando terra, grama.
Grande abraço, saúde e mais postagens.
Milton - "Giorgio Vergano" - Pega pelo rabo
Laércio,
ResponderExcluirComo ex comissário em 2 gestões com o Dr. Caetano, permita-me dizer, que muito aprendi naquela época, com muitos companheiros, como o Caito Bianchi, Milton Lodi, só para citar uns poucos. Na gestão do Dr. Samir, fui um dos responsáveis pela raia. E, com certeza, posso dizer que é um assunto bastante polêmico.
Acredito, como já disse em colocações anteriores, que a ótica para definição da raia, deveria ser, na ordem, apostador, animais.
Acredito que para o apostador, é melhor, ter a raia alterada com antecedência, mesmo, que posteriormente se verifique que teria sido possível a manutenção da raia. Possibilita a ele um estudo definitivo.
A consequência dessa alteração de raia feita com antecedência, permite que os animais não alojados em CJ, inscritos na grama, não precisem sair de seus locais de origem, para depois de uma viagem, serem retirados,
Apenas como exemplo, os animais alojados em Centros de Treinamento e em Campinas, para as corridas diurnas, devem estar saindo desses locais em torno de 09:00 horas. Como não existe a definição de raia nesse horário, pq existirá uma nova medição, todos eles viajam. No meu ponto de vista, é colocar um animal sujeito à riscos absolutamente desnecessários.
Ou seja, estão à risco os apostadores pq não sabem exatamente em que raia as corridas serão, não existirão apostas antecipadas e os animais que são sujeitos aos riscos de uma viagem de caminhão.
Finalmente, quanto à sua sugestão da definição do tipo de ferrageamento antecipado, tipo D < 5.1 ,penso que talvez fosse uma boa possibilidade, mesmo sabendo que um “índice” obtido com a ferramenta rudimentar (que de fato é), não significa sempre o mesmo estado da raia. As vezes pode ter sido uma boa estratégia, em outras um desastre. Mas, seria para todos.
Espero ter trazido mais dados para serem debatidos pelos participantes.
Um abraço
Paulo,
ResponderExcluirMais uma vez obrigado por interagir conosco, trazendo sua reconhecida experiência no assunto. Pelo que se percebe há um senso comum quanto à prioridade para o apostador, o que envolve uma alta orientação para marketing e menor para produção (como diferenciam notáveis mestres em mercadologia).
A definição mais elementar para o conceito de marketing fala em “identificar os desejos do consumidor e desenvolver de forma vantajosa (lucrativa) os produtos capazes de satisfazê-los”. Partindo do princípio de que o espetáculo em si (páreos) não tem, hoje e aqui, a atratividade necessária para gerar patrocínios ( publicitários ou não) capazes de viabilizar a operação de nossos hipódromos, é inegável que o caminho a ser perseguido é o da maximização e otimização do volume de apostas. Portanto, não dá nem para pensar em outra conduta que não seja a de dar prioridade ao apostador. Veja que não estou afirmando que os Jockeys Clubs em nosso país sejam economicamente viáveis, o que envolveria uma complexa observação de custos operacionais (tenho até dúvida se a receita líquida da planta atual cobre ao menos o custo de manutenção). O que inquieta é perceber que principalmente no tipo de apostas que mais remunera a entidade (concursos) há evasão por não se conhecer, com mais antecedência, raia e ferrageamento.
Antecipar ao máximo a informação para o público, mesmo correndo o risco de erro e de críticas, é também o meu pensamento. Aliás, sem saber detalhes, tenho a impressão que tal pratica é adotada no Rio. Muitas vezes a alteração de raia é feita na véspera. Seria oportuna a opinião dos cariocas, inclusive quanto ao transporte dos animais dos centros de treinamento.
Abraços