Porque senão
......
Eu estava
ganhando, como não!
Ganhando corrida e montando
bastante. Montei 16 páreos
na ultima semana que
deixei a profissão.
Eu era
um jóquei procurado para
montar. Eu deixei, vamos
dizer assim, sem mágoa
alguma, não tenho mágoa
nenhuma do turfe. Nada,
nada.
O Rigoni
disse que para encerrar
sua carreira, sempre me
usou muito como exemplo
de cidadão. As coisas
que eu fazia.... anotava
tudo para fazer igual.
Ele está
bem. Foi outro que
teve juízo.
Sofreu um
golpe muito grande. Ele
foi hospitalizado com a
espinha trincada. Foi um
ano de hospital.
Eu também
tive uma queda perigosa.
Tive muitas, mas graças
a Deus, fraturei pé,
fraturei os 2 pés,
o braço, fraturei um
dedo e o nariz,
mas eu sempre ficava
1 mês, 1 mês
e 40 dias, e
voltava a profissão.
Sofria
algumas quedas mas menos
violentas, inclusive uma
que o cavalo caiu
morto. Era o cavalo
Viramundo, do Linneo de
Paula Machado. Morreu
correndo num páreo
noturno. Teve um ataque
cardíaco e caiu morto
em frente da arquibancada.
Eu não me machuquei
nada, nada. Quando eu
via que ele ia
se atirar em cima
da cerca, porque ficou
cego, pulei “seja o
que Deu quiser” pensei,
mas eu não posso
ficar em cima dele,
via entrar na cerca,
vai me espetar num
pau desses, me matar.
Ele morreu
do meu lado, sem
pôr uma gota de
sangue pelo nariz. No
dia seguinte fui convidado
pelo veterinário, que
estava fazendo a autópsia,
para ver o coração
do animal; tinha partido
no meio.
O Treinador
era o Andrés Molina;
o cavalo não aparentava
ser doente. Eu tinha
ganho com ele 15
dias antes. Foi como
se uma pessoa tivesse
um infarto violento, um
ataque cardíaco. Ele teve
correndo.
Eu senti
quando morreu o Boticão
de Ouro. Ele sofreu,
foi operado. Mas parece
que dava para ser
ter percebido que tinha
alguma coisa, por que
o jóquei no Rio
já notara e não
queira montar. Aquilo foi
um pouco de vaidade
do proprietário que não
quis tirar o cavalo
da pista. Ele teve
uma oferta muito grande
para os Estados Unidos,
em dólar, e queira
ver se o cavalo
ganhava aquela corrida para
aumentar o preço; aquilo
foi um pouco de
ganância.
Me falaram
que o jóquei do
Rio percebeu que o
cavalo não estava bem
e mandou fazer o
exame; fazer tudo e
o dono não tomou
providencia nenhuma e
colocou o cavalo para
correr. Depois ele culpou
o jóquei.
Olha tem
um caso inédito que
aconteceu comigo.
Eu ia
muito ao cinema. Minha
diversão predileta era ir
ao cinema à noite
com a minha senhora.
Eu estava
dirigindo no coração de
São Paulo, Avenida São
João com a Ipiranga.
Meu carro era muito
conhecido naquela época,
eu tinha um Pontiac
muito bonito e a
minha placa era
conhecidíssima, 8913. Ia
pela Avenida São João
e o sinal estava
verde; de repente ficou
vermelho e eu parei
em cima e comentei
com a minha mulher:
“que guarda louco, se
vem um meio ligeiro
atrás pode me abalroar”.
E o guarda saiu
do farol, que naquele
tempo era manejado por
ele.
Minha
mulher falou: “ele vem
te multar”. Eu
digo: “é só o
que me faltava ele
vir me multar, ele
fechou o sinal comigo
em cima da Avenida
São João, num movimento
desse! E ele veio,
chegou para mim e
disse: “Seu Pierre, por
favor, me dê três
barbadas para amanhã,
porque eu estou devendo
2 meses de aluguel.”
Me parou o transito
para pedir palpites.
Na hora
me lembrei de 3
cavalos: um montava o
Gonzalez, que eu não
me lembro mais o
número ou nome, um
montava eu, que era
do Haras Jaberave, chamado
Mosco, esse eu nunca
me esqueço, e um
outro também que não
me lembro. “Toma nota
desses três cavalos, mas
não para mais o
transito para me pedir
palpite” “Ah! Muito
obrigado”, disse ele
e fui embora.
Aí
estacionei o carro e
fui ao cinema. No
dia seguinte era o
dia das corridas. Ganharam
os três cavalos.
Quando foi
à noite, eu estava
jantando, tocou a campainha
da minha casa. Minha
empregada foi atender e
disse: “Tem um guarda
aí que quer falar
com o senhor e
tem um pacote na
mão. Perguntei: “um
guarda”? ”é um
guarda, fardado” Eu
levantei e fui atender:
era o guarda de
transito. “Seu Pierre,
olha aí, eu trouxe
uns doces para o
senhor de presente. Eu
acertei, vou pagar o
aluguel de casa”.
Eu mesmo
nunca apostava. Amigos meus
que queriam apostar no
meu cavalo eu dava
palpite, porque quando
ganhavam eles me
gratificavam. Mas o meu
dinheiro não! Meu dinheiro
era suado. Eu arriscava
minha vida para ganhar
o dinheiro, não ia
arriscar no jogo. O
jogo é muito difícil.
Numa
ocasião, uma pessoa me
parou na rua e
pediu um palpite; “olha
Pierre, me dê duas
barbadas que eu jogo
5 contos para nós,
5 mil cruzeiros e
repartimos o lucro”.
Eu respondi: “você dá
uma que eu jogo
10 e reparto o
lucro com você”
“Você
pensa que é fácil
barbada?” Se fosse, todo
jóquei era rico. Quanto
colega meu jogava e
morreu sem nada. Tem
o caso do famoso
jóquei, Armando Rosa, que
ganhou duas vezes do
Grande Prêmio Brasil.
Mora no
Rio hoje num Box,
numa cocheira. Foi um
jóquei famoso, mas era
um jogador inveterado.
O que
ele ganhava ele jogava.
E acabou sem nada,
não tem uma casa
para morar, não tem
nada. Está com quase
80 anos de idade
e mora numa cocheira
no Rio de Janeiro.
Eu tive
um exemplo vivo dentro
da minha profissão que
foi meu pai. Ele
ganhou muita corrida, e
quando morreu, nem dinheiro
para o enterro nós
tínhamos. Foi preciso os
amigos ajudarem.
Eu estava
no Paraná mas eu
me lembro que minha
mãe contava que foi
preciso apelar aos amigos
para arranjar dinheiro para
fazer o enterro.
E eu,
pensando nisso, tinha medo.
Ah! Lembro
também da moçada bonita
em dias de corrida.
As mulheres
se vestiam maravilhosamente
bem. De chapéu, luvas
até cotovelo, aquela
coisa.....
Era uma
festa, até fraque e
cartola. Me lembro do
Linneo de Paula Machado
que chegou a usar
cartola.
Comparecei
de cartola. Uma vez,
ele deu um banho
de champagne no cavalo
depois da corrida. Abriu
a garrafa e jogou
no lombo do cavalo.
Isso tudo era o
Turfe. Hoje, o turfe
gira em torno de
jogo; não é aquele
amor que existia
antigamente. Hoje é mais
jogo.
Mas eu
me lembro bem dos
Grandes Prêmios. Aquelas
senhoras bem vestidas no
Grande Prêmio Brasil que
eu ganhei.
Tenho uma
fotografia do Miron saindo
da pista com o
Sr. José Paulino Nogueira
segurando-o pela rédea.
Eu nunca
me interessei por corrida
de automóvel.
Não gosto,
até hoje não gosto.
Acho aquilo uma violência.
A corrida
de cavalo também é
perigosa, mas é um
esporte nobre. O animal
se empenha, e a
gente sente no pé
o coração dele bater
na hora da partida.
Ele fica nervoso quando
a gente estriba.
O pé
do jóquei fica na
altura do coração do
cavalo. A gente sente
aquela batida, o animal
fica nervoso na partida,
esperando a hora de
largar.
Isso é
emocionante. Não é uma
máquina que você finca
o pé no acelerador.
O Cavalo se empenha
a fundo; tem cavalo
que chega a morrer
como morreu o cavalo
Viramundo, comigo.
Chega a
morrer do esforço que
faz para correr. Ele
dá tudo de si.
Tanto que eu lhe
digo, o jóquei é
obrigado, às vezes, a
chicotear o cavalo. O
público não entende. Se
um jóquei não chicotear,
ele acha que não
está se empenhando pela
vitória.
Mas o
cavalo, 90% das vezes,
não necessita ser
castigado para se empenhar.
Se empenha a fundo,
nasceu para isso. É
corredor nato. Ele sabe
que tem que correr,
e isso que é
bonito no turfe.
Houve um
cavalinho que corria sempre
atrasado, no último lugar,
e de repente, no
fim, ele atropelava todo
mundo, acho que chamava....
esqueci...
Era
tordilho do Sr. Paulino
Nogueira. Corria ultimo,
longe sempre. No final
ele vinha, vinha, era
um cavalo que tinha
fôlego.
Não é
que ele vinha, é
que os outros diminuíam
porque cansavam e ele
conservava o mesmo ritmo.
Então ele vinha alcançando
os outros.
Eu ganhei
muitas corridas com animais
assim, inclusive um cavalo
que era de propriedade
do Dr. José Bonifácio
Coutinho Nogueira, chamado
Gibelino. É, o Gibelino
tinha esse estilo de
correr. Ele corria atrás,
sempre atrás. Largava lá,
último, e no final
vinha alcançando os outros
e ganhava, e quando
não ganhava, chegava
colocado.
Ainda
acompanho o turfe: compro
revista de São Paulo
toda semana. Tenho assim
um fundo sentimental, mais
para ver aqueles jóqueis
antigos, que já estão
no ocaso da função
e para ver se
dão montarias a eles.
Infelizmente
o turfe tem isso.
Os proprietários procuram
os jóqueis que estão
ganhando; é um circulo
vicioso. O Barroso, vamos
citar o Barroso que
é um exemplo, é
o jóquei mais vitorioso
aqui. Ele é procurador
pelos proprietários que
têm cavalo bom, cavalo
favorito, cavalo que tem
chance. As vezes, esse
cavalo tirou um 3º
lugar, pilotado por um
jóquei inferior de
categoria, um jóquei que
está ganhando pouco. O
Barroso vai lá e
pede a montaria. Então
o proprietário dá a
montaria para o Barroso,
dá preferência.
É um
circulo vicioso; o jóquei
bom é procurado par
montar um cavalo bom
e ganha a corrida.
E é quase sempre
o jóquei vitorioso que
procura o cavalo que
tem chance. Então eu
acho que isso é
uma das ingratidões do
turfe sabe. O profissional
é preterido; ele devia
ter um pouco mais
de amparo, um pouco
mais de consideração por
parte dos proprietários.
O jóquei
não tem ordenado,
geralmente não tem. Ele
ganha comissão, percentagem.
Precisa ganhar a corrida
para ganha a vida.
É muito inseguro. É
por isso que eu
fui sempre assim, digamos,
como se diz na
gíria, um pão-duro na
minha profissão. Eu
guardava o que eu
ganhava. E não me
arrependo disso. Porque se
não como é que
eu poderia ter educado
o meu filho, ter
comprado minhas propriedades,
ter uma estabilização na
vida se não tivesse
guardado o que eu
ganhei? E de idade
ainda posso dizer que
estou bem.
Estou
tranqüilo com tudo o
que fiz, e graças
a Deus fui muito
bem sucedido. Eu sempre
fui um jóquei vitorioso,
felizmente.
Ótimas histórias de um dos maiores jóqueis da história do turfe brasileiro. E contêm muitas lições de vida. O texto faz justiça ao grande personagem. Depois de começar a ler é difícil parar. Agradeço ao Blog e ao Sr. Marcelo Augusto.
ResponderExcluirNelson Sakae
Fui torcedor fanático do Pierre vaz. Já faz 50 anos e me lembro da vitória do Garboleto. Pagou 520 por 10. Quando o Pierre parou fiquei torcendo para os filhos do Garboleto. Houve o Playboy, o bicho voava.
ResponderExcluirSe machucou no treinamento. Muitos anos que deixaram saudade. Henrique.