15 dezembro 2011

Pierre Vaz - III


Porque senão ......
Eu estava ganhando, como não! Ganhando corrida e montando bastante. Montei 16 páreos na ultima semana que deixei a profissão.
Eu era um jóquei procurado para montar. Eu deixei, vamos dizer assim, sem mágoa alguma, não tenho mágoa nenhuma do turfe. Nada, nada.
O Rigoni disse que para encerrar sua carreira, sempre me usou muito como exemplo de cidadão. As coisas que eu fazia.... anotava tudo para fazer igual.
Ele está bem. Foi outro que teve juízo.
Sofreu um golpe muito grande. Ele foi hospitalizado com a espinha trincada. Foi um ano de hospital.
Eu também tive uma queda perigosa. Tive muitas, mas graças a Deus, fraturei pé, fraturei os 2 pés, o braço, fraturei um dedo e o nariz, mas eu sempre ficava 1 mês, 1 mês e 40 dias, e voltava a profissão.
Sofria algumas quedas mas menos violentas, inclusive uma que o cavalo caiu morto. Era o cavalo Viramundo, do Linneo de Paula Machado. Morreu correndo num páreo noturno. Teve um ataque cardíaco e caiu morto em frente da arquibancada. Eu não me machuquei nada, nada. Quando eu via que ele ia se atirar em cima da cerca, porque ficou cego, pulei “seja o que Deu quiser” pensei, mas eu não posso ficar em cima dele, via entrar na cerca, vai me espetar num pau desses, me matar.
Ele morreu do meu lado, sem pôr uma gota de sangue pelo nariz. No dia seguinte fui convidado pelo veterinário, que estava fazendo a autópsia, para ver o coração do animal; tinha partido no meio.
O Treinador era o Andrés Molina; o cavalo não aparentava ser doente. Eu tinha ganho com ele 15 dias antes. Foi como se uma pessoa tivesse um infarto violento, um ataque cardíaco. Ele teve correndo.
Eu senti quando morreu o Boticão de Ouro. Ele sofreu, foi operado. Mas parece que dava para ser ter percebido que tinha alguma coisa, por que o jóquei no Rio já notara e não queira montar. Aquilo foi um pouco de vaidade do proprietário que não quis tirar o cavalo da pista. Ele teve uma oferta muito grande para os Estados Unidos, em dólar, e queira ver se o cavalo ganhava aquela corrida para aumentar o preço; aquilo foi um pouco de ganância.
Me falaram que o jóquei do Rio percebeu que o cavalo não estava bem e mandou fazer o exame; fazer tudo e o dono não tomou providencia nenhuma e colocou o cavalo para correr. Depois ele culpou o jóquei.
Olha tem um caso inédito que aconteceu comigo.
Eu ia muito ao cinema. Minha diversão predileta era ir ao cinema à noite com a minha senhora.
Eu estava dirigindo no coração de São Paulo, Avenida São João com a Ipiranga. Meu carro era muito conhecido naquela época, eu tinha um Pontiac muito bonito e a minha placa era conhecidíssima, 8913. Ia pela Avenida São João e o sinal estava verde; de repente ficou vermelho e eu parei em cima e comentei com a minha mulher: “que guarda louco, se vem um meio ligeiro atrás pode me abalroar”. E o guarda saiu do farol, que naquele tempo era manejado por ele.
Minha mulher falou: “ele vem te multar”. Eu digo: “é só o que me faltava ele vir me multar, ele fechou o sinal comigo em cima da Avenida São João, num movimento desse! E ele veio, chegou para mim e disse: “Seu Pierre, por favor, me dê três barbadas para amanhã, porque eu estou devendo 2 meses de aluguel.” Me parou o transito para pedir palpites.
Na hora me lembrei de 3 cavalos: um montava o Gonzalez, que eu não me lembro mais o número ou nome, um montava eu, que era do Haras Jaberave, chamado Mosco, esse eu nunca me esqueço, e um outro também que não me lembro. “Toma nota desses três cavalos, mas não para mais o transito para me pedir palpite” “Ah! Muito obrigado”, disse ele e fui embora.
Aí estacionei o carro e fui ao cinema. No dia seguinte era o dia das corridas. Ganharam os três cavalos.
Quando foi à noite, eu estava jantando, tocou a campainha da minha casa. Minha empregada foi atender e disse: “Tem um guarda aí que quer falar com o senhor e tem um pacote na mão. Perguntei: “um guarda”? ”é um guarda, fardado” Eu levantei e fui atender: era o guarda de transito. “Seu Pierre, olha aí, eu trouxe uns doces para o senhor de presente. Eu acertei, vou pagar o aluguel de casa”.
Eu mesmo nunca apostava. Amigos meus que queriam apostar no meu cavalo eu dava palpite, porque quando ganhavam eles me gratificavam. Mas o meu dinheiro não! Meu dinheiro era suado. Eu arriscava minha vida para ganhar o dinheiro, não ia arriscar no jogo. O jogo é muito difícil.
Numa ocasião, uma pessoa me parou na rua e pediu um palpite; “olha Pierre, me dê duas barbadas que eu jogo 5 contos para nós, 5 mil cruzeiros e repartimos o lucro”. Eu respondi: “você dá uma que eu jogo 10 e reparto o lucro com você”
“Você pensa que é fácil barbada?” Se fosse, todo jóquei era rico. Quanto colega meu jogava e morreu sem nada. Tem o caso do famoso jóquei, Armando Rosa, que ganhou duas vezes do Grande Prêmio Brasil.
Mora no Rio hoje num Box, numa cocheira. Foi um jóquei famoso, mas era um jogador inveterado.
O que ele ganhava ele jogava. E acabou sem nada, não tem uma casa para morar, não tem nada. Está com quase 80 anos de idade e mora numa cocheira no Rio de Janeiro.
Eu tive um exemplo vivo dentro da minha profissão que foi meu pai. Ele ganhou muita corrida, e quando morreu, nem dinheiro para o enterro nós tínhamos. Foi preciso os amigos ajudarem.
Eu estava no Paraná mas eu me lembro que minha mãe contava que foi preciso apelar aos amigos para arranjar dinheiro para fazer o enterro.
E eu, pensando nisso, tinha medo.
Ah! Lembro também da moçada bonita em dias de corrida.
As mulheres se vestiam maravilhosamente bem. De chapéu, luvas até cotovelo, aquela coisa.....
Era uma festa, até fraque e cartola. Me lembro do Linneo de Paula Machado que chegou a usar cartola.
Comparecei de cartola. Uma vez, ele deu um banho de champagne no cavalo depois da corrida. Abriu a garrafa e jogou no lombo do cavalo. Isso tudo era o Turfe. Hoje, o turfe gira em torno de jogo; não é aquele amor que existia antigamente. Hoje é mais jogo.
Mas eu me lembro bem dos Grandes Prêmios. Aquelas senhoras bem vestidas no Grande Prêmio Brasil que eu ganhei.
Tenho uma fotografia do Miron saindo da pista com o Sr. José Paulino Nogueira segurando-o pela rédea.
Eu nunca me interessei por corrida de automóvel.
Não gosto, até hoje não gosto. Acho aquilo uma violência.
A corrida de cavalo também é perigosa, mas é um esporte nobre. O animal se empenha, e a gente sente no pé o coração dele bater na hora da partida. Ele fica nervoso quando a gente estriba.
O pé do jóquei fica na altura do coração do cavalo. A gente sente aquela batida, o animal fica nervoso na partida, esperando a hora de largar.
Isso é emocionante. Não é uma máquina que você finca o pé no acelerador. O Cavalo se empenha a fundo; tem cavalo que chega a morrer como morreu o cavalo Viramundo, comigo.
Chega a morrer do esforço que faz para correr. Ele dá tudo de si. Tanto que eu lhe digo, o jóquei é obrigado, às vezes, a chicotear o cavalo. O público não entende. Se um jóquei não chicotear, ele acha que não está se empenhando pela vitória.
Mas o cavalo, 90% das vezes, não necessita ser castigado para se empenhar. Se empenha a fundo, nasceu para isso. É corredor nato. Ele sabe que tem que correr, e isso que é bonito no turfe.
Houve um cavalinho que corria sempre atrasado, no último lugar, e de repente, no fim, ele atropelava todo mundo, acho que chamava.... esqueci...
Era tordilho do Sr. Paulino Nogueira. Corria ultimo, longe sempre. No final ele vinha, vinha, era um cavalo que tinha fôlego.
Não é que ele vinha, é que os outros diminuíam porque cansavam e ele conservava o mesmo ritmo. Então ele vinha alcançando os outros.
Eu ganhei muitas corridas com animais assim, inclusive um cavalo que era de propriedade do Dr. José Bonifácio Coutinho Nogueira, chamado Gibelino. É, o Gibelino tinha esse estilo de correr. Ele corria atrás, sempre atrás. Largava lá, último, e no final vinha alcançando os outros e ganhava, e quando não ganhava, chegava colocado.
Ainda acompanho o turfe: compro revista de São Paulo toda semana. Tenho assim um fundo sentimental, mais para ver aqueles jóqueis antigos, que já estão no ocaso da função e para ver se dão montarias a eles.
Infelizmente o turfe tem isso. Os proprietários procuram os jóqueis que estão ganhando; é um circulo vicioso. O Barroso, vamos citar o Barroso que é um exemplo, é o jóquei mais vitorioso aqui. Ele é procurador pelos proprietários que têm cavalo bom, cavalo favorito, cavalo que tem chance. As vezes, esse cavalo tirou um 3º lugar, pilotado por um jóquei inferior de categoria, um jóquei que está ganhando pouco. O Barroso vai lá e pede a montaria. Então o proprietário dá a montaria para o Barroso, dá preferência.
É um circulo vicioso; o jóquei bom é procurado par montar um cavalo bom e ganha a corrida. E é quase sempre o jóquei vitorioso que procura o cavalo que tem chance. Então eu acho que isso é uma das ingratidões do turfe sabe. O profissional é preterido; ele devia ter um pouco mais de amparo, um pouco mais de consideração por parte dos proprietários.
O jóquei não tem ordenado, geralmente não tem. Ele ganha comissão, percentagem. Precisa ganhar a corrida para ganha a vida. É muito inseguro. É por isso que eu fui sempre assim, digamos, como se diz na gíria, um pão-duro na minha profissão. Eu guardava o que eu ganhava. E não me arrependo disso. Porque se não como é que eu poderia ter educado o meu filho, ter comprado minhas propriedades, ter uma estabilização na vida se não tivesse guardado o que eu ganhei? E de idade ainda posso dizer que estou bem.
Estou tranqüilo com tudo o que fiz, e graças a Deus fui muito bem sucedido. Eu sempre fui um jóquei vitorioso, felizmente.

2 comentários:

  1. Ótimas histórias de um dos maiores jóqueis da história do turfe brasileiro. E contêm muitas lições de vida. O texto faz justiça ao grande personagem. Depois de começar a ler é difícil parar. Agradeço ao Blog e ao Sr. Marcelo Augusto.
    Nelson Sakae

    ResponderExcluir
  2. Fui torcedor fanático do Pierre vaz. Já faz 50 anos e me lembro da vitória do Garboleto. Pagou 520 por 10. Quando o Pierre parou fiquei torcendo para os filhos do Garboleto. Houve o Playboy, o bicho voava.
    Se machucou no treinamento. Muitos anos que deixaram saudade. Henrique.

    ResponderExcluir

Envie seu comentário

Real Time Web Analytics