Achei
interessante este texto, contando um pouco da história do Pierre Vaz, um dos fabulosos jóqueis do passado,
pela visão do mesmo. Interessante porque a linguagem é a típica do
turfista, então a leitura corre fácil e agradável. Fora isso, é uma
aula de história turfística. Agradeço ao Marcelo Augusto que me enviou
esta raridade. Uma dica para os que gostam de livros antigos: o
"Memórias" - Jockey Club de São Paulo é facilmente encontrado em sebos
paulistas. A entrevista completa saem em três postagens, já que é bem
grandinha para uma postagem só.
Texto extraído do
livro : “MEMÓRIAS” - JOCKEY CLUB DE SÃO PAULO
Autoria: Caetano B.
Liberatore
Lançamento : 1994
PIERRE
VAZ fala de
sua vida no
turfe
Comecei
a montar oficialmente em
Curitiba, Paraná em 1932,
no Velho Hipódromo do
Guabirotuba, hoje prado do
Tarumã. Mas antes eu
já montava em raia
reta. Eu tinha então
13 anos de idade.
Em 1933
eu fui levado para
o Rio de Janeiro
pelo Fernando Schneider, em
treinador famoso naquela
época, já falecido há
muitos anos. Fiquei até
38. Apesar de começar
no Paraná, meu pai
era carioca e eu
também.
Mas
quando meu pai ficou
doente, acho que percebeu
que não teria muito
tempo de vida, me
mandou para o Paraná,
para a casa de
uma família amiga que
tinha cavalos de corrida,
para seguir a carreira
de jóquei que ele
queria que eu fosse.
Eu tinha
desde garoto aquela loucura
para ser jóquei como
meu pai era. É,
ele queria, queria, queria
e minha falecida mãe
não queria de jeito
nenhum. Tinha mede.
Então ele
me mandou para ficar
uns 5, 6 meses
à vontade no campo,
montando, e quando eu
sentisse saudade de voltar
para casa, eu escreveria
e ele me mandaria
me buscar. Viajei para
o Paraná sozinho,
acompanhado de um amigo
dele que ia para
Curitiba.
Depois de
6 meses, meu pai
faleceu no Rio e
eu não voltei mais.
Fiquei no
Paraná levando a vida
de jóquei, montando em
raia reta, correndo
desafios, e aí tirei
minha matrícula de
aprendiz, em 1932.
Ainda como
aprendiz, em 1936, ganhei
o páreo mais importante
da época, o Grande
Prêmio Cruzeiro do Sul.
Ganhei novamente esse mesmo
páreo outras vezes.
Depois do
Grande Prêmio Brasil é
o prêmio mais importante.
É o Derby carioca.
Três anos
lá no Rio é
muito, dá muita
experiência.
Em 38
vim para São Paulo,
a convite do falecido
treinador Waldemar de Paula
Mendes, aquele treinador
gordo que cuidava dos
cavalos do Dr. Roberto
Alves de Almeida, como
seu jóquei.
Eu montei
em São Paulo até
1964. Aí eu só
ia para o Rio
periodicamente, todo ano
para monta os grandes
prêmios. Ganhei os maiores
prêmios do calendário
turfista de lá, inclusive
por duas vezes o
Grande Prêmio Brasil, em
1946 e 1949.
Foram 31
anos. E nesse tempo
a vitória que mais
gostei, na qual mais
me emocionei, foi a
do primeiro Grande Prêmio
Brasil, com MIRON,
porque foi uma corrida
impressionante. Faltavam 50
metros para o disco
e eu ainda vinha
atrás do outro cavalo,
mais de um corpo.
Foi a
vitória em cima do
disco. O outro era
o Zorro, dos Seabra,
montando pelo Domingos
Ferreira. O Miron era
do Sr. José Paulino
Nogueira. Tanto eu gostei
disso que o nome
do meu haras é
Haras Miron, que existe
até hoje.
Eu ganhei
o Grande Prêmio São
Paulo no mesmo ano
com o Miron e
aí fui para o
Rio e ganhei o
Brasil. Quer dizer, com
esse cavalo eu ganhei
os dois grandes prêmios
no mesmo ano.
Foi o
meu primeiro Grande Prêmio
Brasil. Já tinha tirado
em 2º lugar, depois
um 3º lugar. Tirei
sempre colocação, mais
consegui ganhar em 1946.
Com o
Miron eu vinha atrás
um corpo. Eu corria
contra 18 animais e
estava em 10º lugar.
Sempre atrás, que o
meu cavalo era demorado.
Era “carroção” como
nós chamávamos. Era um
cavalo demorado para
atropelar e o cavalo
Zorro corria na frente,
longe, já com a
corrida praticamente ganha.
Quando
faltavam uns 100 metros
para o disco, o
povo já estava ovacionando
o Zorro com o
vencedor e o meu
cavalo veio, veio, veio.
Deu para perceber que
ganharia. Eu só pedia
que o disco fosse
um pouquinho mais adiante
porque eu sentia que
o meu cavalo vinha
alcançando o outro que
estava cansando, cansando,
e o meu vinha,
vinha devagar, mais chegou
o disco, ganhando por
meio corpo.
Foi
emocionante e eu tenho
uma fotográfica do meu
filho me beijando. Ele
tinha só 5 anos.
O Grande
Prêmio São Paulo, em
1946, eu lembro bem.
Esse ganhei fácil. Essa
foi fácil. Chovia muito
e a raia estava
impraticável. O cavalo
favorito do páreo era
Secreto, do Stud Seabra.
Quiseram retirar o cavalo
porque corria mal naquela
pista e o Jockey
Club não deixou. O
Seabra brigou com o
Jockey e retirou todos
os seus cavalos e
os levou para o
Rio. Por causa disso,
passou uma porção de
anos sem trazer cavalo
para correr aqui.
Depois é
que o Sr. Thomazinho
conseguiu trazer o Dr.
Seabra para São Paulo.
Naquele dia
foi uma vitória fácil,
o Miron se adaptou
bem à pista molhada
e ganhou bonito. O
Miron só montei eu...
ganhei também o Grande
Prêmio 29 de Outubro
com ele.
Foi
walkover até, desistirem
de correr, correu sozinho.
Ganhei
outro Grande Prêmio, eu
não me lembro o
nome.
O melhor
cavalo que montei
chamava-se CARRASCO. Esse
foi o mais corredor.
Era do Dr. Oswaldo
Aranha, Ministro Oswaldo
Aranha. Montei também
outros craques. Montei
Lunar, montei Mirones; eu
nem me lembro o
nome de todos.
Mas esse
foi o cavalo mais
corredor que eu montei.
Ganhei o Grande Prêmio
Brasil com ele, em
tempo recorde. Foi em
1949. 15 dias depois
ganhei o Grande Prêmio
Jockey Club, em 3.200
metros, também em tempo
recorde.
Depois de
um mês, ganhei o
Grande Prêmio América do
Sul, em 4.000 metros,
ainda com o mesmo
cavalo.
As 3
provas da temporada
internacional daquele ano
no Rio, ganhei com
o mesmo cavalo. Era
sempre para o Ministro
Oswaldo Aranha. Era cavalo
importado da Argentina,
melhor do que o
uruguaio. O Carrasco foi
importado pelo Sr. Atílio
Irrulegui, o maior
importador de São Paulo.
Esse Carrasco deixou pouca
descendência, pois morreu
cedo.
Eu também
cheguei a conhecer a
Garbosa Bruleur. Eu corri
junto com ela. Quem
montava a Garbosa era
o Rigoni.
O Emílio
Castillo montava o Nizan,
mais veio montar a
Garbosa Bruleur quando ela
fracassou no Grande Prêmio
São Paulo, que eles
achavam que ela iria
ganhar.
Mandaram
buscar o Castillo no
Rio porque o Rigoni
estava meio brigado com
o proprietário da égua.
Ela estava
no final de campanha.
Fracassou, e aí foi
a ultima vez que
correu.
Eu nunca
montei a Garbosa, mas
ganhei com Garboleto, que
era filho dela. Foi
no Grande Prêmio Derby
Paulista. Era do Sr.
José Bonifácio Coutinho
Nogueira, em 60 ou
61, não me lembro
agora não. Com esse
cavalo também ganhei o
Grande Prêmio Consagração.
A Garbosa
Bruleur foi uma égua
muito boa. Corredora mesmo,
muito corredora. E todos
os filhos dela foram
corredores. Saíram todos
bons.
Nesses 31
anos de turfe houve
uma corrida que perdi
e que mais me
deixou com raiva porque
era para não ter
perdido. Foi com o
cavalo CLARETE, Grande
Prêmio São Paulo, na
inauguração de Cidade
Jardim, em 1941, muita
gente diz que eu
facilitei, que eu joguei
o boné antes do
disco. Não, o boné
caiu. Chovia muito.
A raia
estava ruim e o
boné muito molhado, caiu.
Não havia capacete naquele
tempo.
Agora eu
perdi porque o meu
cavalo sentiu, doeu. Ele
tinha um problema na
mão direta e sentia.
Daí a derrota para
o Teruel com o
Armando Rosa. Clarete vinha
encostando na cerca, na
frente. Teruel era um
cavalo muito bom, que
atropelava duro.
Um ano
antes o Teruel ganhou
o Grande Prêmio Brasil;
eu também tirei o
2º lugar para ele
com Caramelo.
E aqui
ele ganhou o São
Paulo. Era um cavalo
que atropelava muito no
final. E ele me
ganhou nos últimos 100
metros assim.
Meu cavalo
até essa altura vinha
na frente. Não tinha
corrido na frente, corria
3º, 4º, mas tomei
a ponta faltando uns
400 metros. E nos
últimos 100 metros quando
parecia que eu ai
ganhar o Grande Prêmio,
apareceu o Teruel e
me ganhou, mas o
meu cavalo ficou doído,
foi uma manqueira tão
doida que ele nunca
mais correu. Foi para
reprodução. Era propriedade
do Dr. Roberto Alves
de Almeida. Sobre o
Clarete, devo dizer que
numa hora dessas não
dá para forçar o
animal.
A crônica
naquele ano não sabia
que o cavalo estava
doído na mão, na
hora da corrida. Não
viram e acharam que
eu facilitei um pouco,
mais não foi nada
disso.
Durante
minha profissão toda eu
ganhei 2.104 corridas. Em
Cidade Jardim, 1983 delas.
E depois
outras no Rio de
Janeiro, no Paraná, em
Campinas. Ganhei o Grande
Prêmio Campinas 2 ou
3 vezes. E montei
também na Moóca. Ganhei
alguns grandes prêmios lá,
com o cavalo Caaimbé.
Fui
vencedor das estatísticas
em São Paulo por
6 vezes. E se
não me engano, 5
ou 6 vezes 2º
colocado. E um ano
empatei com o Gonzalez.
É, foi em 1954.
Pois essa
história do empate foi
muito bonita, porque nós
disputávamos desde o mês
de agosto. Em setembro,
nós ainda disputávamos:
eu ganhava, ele ganhava,
sempre juntos, diferença
de apenas uma vitória,
quando chegou no último
mês, pegou fogo. Aí
o povo ai ao
prado e só jogava
nas montarias do Pierre
e do Gonzalez, porque
estavam disputando a
estatística há meses,
juntos na frente, sempre
destacados dos outros.
Era o
ano do Quarto Centenário
de São Paulo.
Então a
maioria torcia para mim,
que eu sou brasileiro.
Eu tinha
a torcida da maior
parte dos turfistas
brasileiros. Os adeptos do
Gonzalez, brasileiros também,
torciam o mesmo para
o Gonzalez.
Na minha
opinião, ele foi o
maior jóquei de bridão
que o Brasil conheceu.
Essa é que é
a realidade, tanto que
o apelido dele era
“professor”. No tempo
em que montava, chamavam
a ele de professor.
O meu
regime de montar era
o de freio. Eu
era na época considerado
o maior jóquei de
freio em São Paulo.
Era eu em São Paulo e o Rigoni
no Rio. Éramos os
campeões de vitórias todo
ano.
Sobre o Pierre Vaz, a quem meu avô considerava o melhor jockey que viu montar no Brasil, o reprodutor do seu Haras Miron foi Jackmar, um filho de Esquimalt que meu avô deu a ele.
ResponderExcluirJackmar que só não foi líder ao seu tempo, pois teimava em perder corridas apertadas para um cavalo chamado Caporal, que era o melhor de seu tempo.
Salvo engano foram duas ou três derrotas em provas que seriam de Grupo 1 (na época não existia essa classificação) por diferença pequena e para recorde.
Abs.
Adolpho Smith
Adolpho,o caporal não era do haras jahu?
ResponderExcluirLeon, ele era dos Almeida Prado e ganhou o Derby de sua geração. Depois serviu no Haras Jahu sim. Claro que não vi ele correr já que tenho 32 anos e estamos falando da geração de 53, mas já li, vi fotos e ouvi muitas histórias do Caporal. Jackmar era criação de Dante Marchione, da provável melhor geração que criou na vida e da qual faziam parte: Jarussi, Jazao, John Araby e Johnny Reed. Adolpho
ResponderExcluirTinha um cavalo tordilho, chamado Estatuto, igualzinho a foto lá em acima, que ganhou nove vezes consecutivas, em distâncias médas, na pista de areia, antes de parar de correr. O Pierre não batia nunca nesse animal, com pelo verdadeiramente lindo.
ResponderExcluirEstatuto era do Haras Jaberave, do Jayme Torres. Era ligeiro e corria bem até os 1400. Além de um grande porte, tinha a pelagem totalmente branca. Foi o mais lindo tordilho que vi correr. O preto mais bonito foi sem dúvida Radar, do Stud Seabra. Mais ou menos na mesma época, começo dos anos cinquenta.
ResponderExcluirIncrível ler um pouco mais sobre a história do meu bisavô, morro de orgulho ao ver que o seu legado não foi esquecido e fico muito feliz em ler e relembrar a sua história.
ResponderExcluirAbs
Tiago Vaz
Olá Tiago, conheci seu bisavô na minha infancia. Era muito amigo da minha mãe e sempre nos visitava e nos encantava com as histórias de Jockey.
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