Por Pio Pinheiro
Conheci Marcondes Neto no início dos anos 70, quando assumi o cargo de subeditor de esportes da Folha de S.Paulo. A paixão pelo turfe foi a base de uma grande amizade que então se iniciou e nos levaria a viver muitas emoções no mundo das corridas. Na época, o turfe tinha grande espaço na mídia, e nos dias de corrida ocupava uma página inteira, da qual Marcondes era o responsável. Muito criativo e inteligente, ele começou a implantar diversas novidades e conquistou um grande número de leitores (numa época em que o público turfista era imenso e costumava encher o hipódromo), graças ao seu alto grau de acertos. Marcondes publicava um quadro completo com o programa do dia, e acrescentava uma pequena linha de comentário sobre cada um dos cavalos que iriam correr, analisando suas chances. Isso fazia grande sucesso, comprovado pela chuva de telefonemas que recebia na redação, elogiando e agradecendo suas indicações. Logo criou uma seção chamada “O Melhor Jogo”, onde apontava os seus destaques da programação. Os itens eram “Pule Antecipada de Vencedor”, “ Pule Antecipada de Placê”, “Trio de Melhores Azares”, “Melhor Acumulada de Duplas”, “Fracasso à Vista”, e “Tábua de Salvação” (sempre no último páreo), entre outros. Posteriormente, acrescentou sugestões de Betting Duplo Exato e Trifeta. A porcentagem de acertos era grande, e atraia muitos seguidores.
Marcondes nunca revelava seus métodos de estudo, nunca explicava como chegava às suas conclusões. Apontava suas preferências e pronto. Diversas vezes tentei contrariá-lo, principalmente quando afirmava que certo favorito “não existia”, e na maioria dos casos perdia meu dinheiro. Passei a analisar com mais atenção as dicas que ele dava, e assim fui aprendendo a estudar as corridas. Cavalo corrido uma vez só, seja qual for a colocação que tivesse obtido, merecia o dobro de sua atenção. E era de onde descobria pules altas. Não gostava muito de cavalo que reaparecia, principalmente de longa ausência, pois temia que faltasse aguerrimento (é bom lembrar que naquela época os páreos eram bem mais fortes e equilibrados do que atualmente). Dava importância crucial às balizas, principalmente na grama. Costumava eliminar sem dó os que largavam por fora. A perspicácia e o conhecimento de turfe que tinha eram incomuns. Às vezes dizia que tal cavalo só venceria se largasse na ponta, e quando isso não acontecia ficava furioso e rasgava as pules 50 metros depois da partida. Nunca tomou castigo por isso.
Nos tempos áureos da Taça de Prata, certa vez (1990) chamou o proprietário do potro Redondo Beach (Stud Ipauçu), que ainda era perdedor, e sugeriu que mandasse o jóquei largar e sumir na ponta. O páreo havia sido transferido para a areia, e pela filiação do cavalo (Midnight Tiger e Ketchup), Marcondes achava que se isso fosse feito ele não perderia. Resultado: Redondo Beach ganhou de bandeira a bandeira, como diria o Casella, e pagou um batataço.
Uma de suas maiores ousadias aconteceu no GP São Paulo de 1975. No dia da corrida, publicou na Folha uma página inteira sobre o cavalo Gadahar, do Haras Faxina, que era apenas um azar por causa de suas baldas e manhas. Poucos acreditavam em sua vitória. Marcondes bancou a indicação do cavalo (voto único na crônica), afirmando que Loacir Cavalheiro era o jóquei ideal para conseguir dominar o pupilo do treinador Amazílio Magalhães e levá-lo à vitória. Gadahar derrotou o bicho papão argentino Snow Body por um corpo e meio, com o peruano Satanás e o chileno Jadar disputando as posições seguintes, e pagou uma alta pule.
Em 1979, por ocasião do GP Diana, Marcondes me disse que Bela Reca (Haras São Quirino) iria derrotar a grande favorita de devolução Damping Wave (Haras Rosa do Sul) se o jóquei Jorge Dacosta ficasse colado na cerca durante todo o percurso e atropelasse por dentro. Não acreditei. Bela Reca dominou Damping Wave no último pulo e pagou mais de R$ 60,00. Marcondes apareceu na redação após as corridas balançando um grosso maço de pules e sorrindo para mim...
Outra passagem incrível aconteceu numa noturna. Marcondes e Alcides Cestari, outro grande amigo em comum e também um turfista apaixonado, estavam amargando altos prejuízos e faltava apenas o último páreo a ser corrido. Seria difícil recuperar o prejuízo, pois Marcondes achava que o animal favorito não perderia. A solução que ele encontrou foi arriscar todo o dinheiro que restava numa trifeta seca, valendo 100 vezes. Ou ela vingava ou todo mundo iria embora durinho. A trifeta vingou sem susto, e o vinho no jantar que se seguiu teve um sabor especial...
Paro por aqui porque se continuar vou acabar escrevendo um livro, tantas são as lembranças. Justa e muito bacana essa homenagem que o amigo Aron faz ao Marcondes Neto, que nos deixou em meados dos anos 90. Foi um personagem que muito contribuiu para o turfe, embora não gostasse muito de política e se dedicasse apenas às corridas. Além da imprensa escrita, atuou também no rádio, narrando as corridas de Cidade Jardim durante um período. Era na rádio Apolo, se não me engano. Participava ativamente da extinta Associação dos Cronistas de Turfe de São Paulo e interagia com outros grandes cronistas da época, com suas idéias e sugestões. Tinha grande caráter e uma alma generosa. E sem dúvida deixou sua marca na história do turfe paulista.