14 dezembro 2011

Pierre Vaz - II


Então chegou a última semana, sábado e domingo. Não havia corrida na 2ª feira.
Foi em 1954. Nós estávamos no sábado empatados, com o mesmo número de vitorias, cada um com 71.
No sábado, o Gonzalez ganhou uma corrida. Fez 72 vitórias.
No domingo o Gonzalez ganhou 2 páreos. Fez 74 vitórias. E eu fiquei com as 71 vitórias, aí quase me dei por derrotado.
Faltavam só 6 páreos a serem disputados, e eu 3 vitórias atrás dele, mas aí ganhei um páreo com uma égua do Haras Jaberave, chamada Gringa. Ganhei o 5º páreo com o cavalo Pimpolho, de propriedade do falecido Dr. Ulisses Paes de Barros e ganhei o 7º páreo com uma égua chamada Tupiata.
Empatamos a estatística. Foi uma festa, 74 vitórias para cada um. É, essa foi a parte mais emocionante da minha carreira de jóquei.
Eu preferia o freio e não bridão, porque aprendi com freio, o freio é sul americano. Na Argentina, que eu saiba, só tem 2 jóqueis de bridão atualmente lá: um chileno e um venezuelano.
O resto é tudo freio, inclusive aquela joqueta famosa, Marina Lezcano, montava no regime de freio.
No Rio Grande do Sul é o freio que impera. No Paraná também é o freio. Aqui em São Paulo formaram a escola de jóqueis no regime de bridão porque o professor era o Luiz Gonzalez, jóquei de bridão.
No Rio de Janeiro tem 2 professores. Um de bridão e um de freio.
Aqui, me desculpe, deveria ser igual: freio e bridão.
O bridão fica segurando com as duas rédeas em posição diferente do freio. Tanto eu acho freio melhor, que dou um exemplo: já ganharam o Grande Prêmio São Paulo duas éguas dirigidas por um jóquei de freio. O único que atuou no páreo de freio, o resto era tudo bridão.
O freio dá mais liberdade para o animal correr e ele na faz tanta pressão na boca; o animal fica nervoso, não se embravece. O bridão faz mais pressão, é melhor para distancias curtas.
A não ser um jóquei excepcional que saiba dosar bem o cavalo como o Gonzalez, o Irigoyen, o Molina, esses jóqueis que tinham muita cabeça, muita técnica, eles poupavam, não embraveciam o cavalo.
Mas atualmente os jóqueis aqui, com as distancias relativamente curtas, o bridão e o freio se igualam. Mas em distâncias longas, o freio dá mais vantagem para o cavalo.
O bridão é estilo inglês. Tem no Chile, na Inglaterra, na França .... lá é só bridão.
Um fato importante na minha vida foi o convite que recebi do Príncipe Ali Khan para montar um cavalo seu na França, me apresentou como o jóquei mais importante do turfe de São Paulo em freio, para mostrar como era que se dirigia um cavalo nesse sistema. O Olavo Rosa foi convidado também para montar um cavalo dele lá, no regime de bridão.
Nós éramos os jóqueis brasileiros, naquela época, de mais destaque em São Paulo: eu como freio, Olavo Rosa como bridão. Tenho uma foto com o Príncipe Ali Khan nos abraçando no paddock do Jockey Club. Nós já fardados para montar o Grande Prêmio São Paulo.
Na escola de jóqueis é o bridão mais usado. O professor é o Massoli, que foi jóquei de bridão.
A escola não tem professor de freio.
Eles vão acabar com o regime de freio aqui. Já está resolvido.
Só tem 4 jóqueis de freio montando em São Paulo atualmente.
A hora que eles deixarem a profissão, se bem que eu acho que dois já estão próximos a deixar; o Bolino e o Amorim. Tem também o Jorge Garcia e o José Fagundes.
Ah! Me interessava por todo cavalo que via. Toda vida me interessei. E comecei a criar ainda quando jóquei.
Tem uma outra coisa importante na minha vida: fui o único jóquei que como tal ganhei uma corrida com cavalo criado por mim. Foi o Iraquê, em 1962.
Seguia o treino, ia para as cocheiras depois do trabalho, medicava, ajudava o treinador a fazer vitamina, injeções no cavalo, massagem, ligava ......
Aí sempre estive em contato com o cavalo. Até hoje.
É a minha vida. Ah! Olha, graças a Deus tive sempre bons amigos em São Paulo, inimigos, são alguns..... talvez um colega meio invejoso por meu sucesso, mais inimigo mesmo eu não tive. Tanto que eu sempre fui escolhido como líder de classe.
Fui Presidente do Sindicato dos Jóqueis durante 6 anos, de 63 até 69. Depois de ter deixado de montar, a diretoria fazia questão que fosse eu o representante da classe para qualquer reivindicação . Consegui melhorar alguma coisa, inclusive arrumar esse auxilio que o Jockey Club dá de um salário e meio. Hoje está aumentado até um pouco.
Ultimamente reajustamos todos os jóqueis que tinha matricula há 25 anos em São Paulo, e isso até o hoje o Jockey Club dá.
Consegui também comprar uma casa para o Florisvaldo Costa, quando ele ficou paraplégico numa queda, no dia em que morreu o Pinheiro Filho. Eu angariei fundos e... ganhei 3 cavalos de presente para pôr na rifa. Um foi do Dr. Roberto Alves de Almeida, outro foi do Silvio Montanarini e outro, não me lembro de quem foi.
Eu rifei os cavalos e guardei o dinheiro nos cofres do Jockey Club. Fiz também um movimento durante 3 reuniões, porque naquele tempo já tinha noturna, sábado, domingo e segundo, com 50% cedido do que os jóqueis e treinadores ganhassem. Com esse dinheiro ele comprou uma casa onde mora com a família. O Jockey Club reformou duas vezes a casa dele e o atende até hoje.
Ah! Lembro também do “seu” Chiquinho. Eu o conheci no Rio de Janeiro desde que nasci, porque ele foi amigo do meu falecido pai, que montava com o nome de Dinarte Vaz. Freqüentei a escola com os filhos dele. Era uma bela pessoa. Era excepcional. Um coração de ouro.
Nossa família é toda originária do Rio Grande do Sul. Nasci no Rio de Janeiro, mas meu pai era gaúcho, e meu avô uruguaio, descendente de espanhol.
Eu imitei a profissão de meu pai que é raro, porque são poucos os jóqueis que tiveram filhos que seguiram, que deram certo. Poucos. É, a maioria desistiu. Um que deu certo também e que foi ótimo jóquei foi o Greme Jr., mas ele deu no vício da bebida, morreu com 30 anos. O pai dele, Guilherme Greme foi um grande jóquei do passado. Eu não me lembro de outros, a não ser, atualmente, o Jorge Garcia, filho do Dendico. Isso é bem lembrado porque o Jorge Garcia é um ótimo jóquei como foi o pai.
Sobre a diferença do cavalo que corre ferrado com alumínio ou com ferro, é que o alumínio é bem mais leve, e é melhor porque sempre é um peso a menos nos cascos. O animal quanto menos sentir coisa nos cascos, melhor. Só não pode correr desferrado, porque quebra o casco, ainda mais aqui com este chão arenoso e asfalto, mas no sul, se usou muito tempo correr cavalo desferrado.
E por que? Eu vou fazer um comparação: um corredor, um atleta que corre até de sapato e o que corre de tênis. É a diferença da ferradura de ferro e a de alumínio.
Falando aqui das filiações, o meu filho não foi para o turfe porque desde pequeno era muito desenvolvido. Não tinha altura, tamanho. Ele pesa 74 quilos. De que jeito ele podia ser jóquei? Ele é alto. Então estudou e é advogado. Na minha vida deu para educar o filho, deu para fazer tudo direito.
Agora falando de tamanho e de peso eu não tinha problema porque sempre pesei 53 quilos. Então era um peso ótimo. E tenho 1m61 de altura. Sou maior do que é habitual para um jóquei que normalmente mede 1m55.
Mas eu sempre tive peso bom, numa tive problema. Tirava peso quando eu era novo, aprendiz, porque os pesos eram muito leves naquele tempo. Perdi muitos colegas, doentes, de tanto tirar peso. Depois de 1941, quando inaugurou Cidade Jardim, os pesos foram atualizados, isso devido ao esclarecimento que tinha Thomazinho Assumpção. Ele era handicapeur, e aumentou os pesos na tabela nova. Como é que o Gonzalez, por exemplo, poderia montar ou um Molina com 50 quilos ou com 49 quilos se eles pesavam 57, 58.......
Tiravam peso a semana toda. Eu tive colegas, inclusive o Molina, que só se alimentava, 3ª e 4ª feira. De 5ª feira em diante não comia, passava a chá e torradas, tomando suador.
E foi por isso que muitos jóqueis naquele tempo morreram tuberculosos. Eu fazia um pequeno regime. Eu nunca fui de comer comida pesada, nem frituras, nem beber cerveja. Tomava uma dose de uísque antes da refeição em casa, mas numa mais, sempre deitei cedo e levantei cedo. Fumava muito pouco.
Quando eu me aposentei, não engordei, conservei o mesmo peso. Outros colegas engordaram: o Molina e o Dendico Garcia, por exemplo, engordaram. Lodegar Bueno Gonçalves pesa 80 quilos, montava com 55, veja o sacrifício que um homem faz.... Tinha que levar uma vida regrada: alimentação em hora certa, duas vezes por dia só.
Tem gente que as vezes passa a vida inteira fazendo uma carreira, mas preferia ter outra. Eu tive muitos colegas que deixaram e pegaram outro ramo, foram trabalhar com imóveis. Um amputou um pé, ficou inutilizado para a profissão, colocou aparelho e é chofer de praça. Outro deixou para ser fiscal de renda. Mas esses não venceram na profissão. Eles contaram tempo, ficaram ali, montavam pouco e ganhavam pouco. Foram perdendo o incentivo.
E a profissão de jóquei é como – vou fazer uma comparação – jogador de futebol famoso. Tem uns que não vão para diante. Treinam todo dia, jogam de vez em quando e ninguém conhece o nome deles. Se sair no jornal, ninguém sabe quem é. E tem os que se destacam como Pelé, Rivelino, Zico e outros. Assim são os jóqueis famosos.
Agora precisa que o jóquei tenha juízo e guarde um pouco do que ganha, porque é uma profissão relativamente curta e muito traiçoeira.
Uma queda pode deixar como deixou inutilizado o Florisvaldo Costa. Ou então o Oli Nobre. São Paraplégicos.
Aliás, todo mundo diz que dos jóqueis, o que melhor soube se estabelecer fui eu.
Graças a Deus, desde que comecei a montar, tive essa lucidez, porque meu pai morreu muito pobre. Ele era uma pessoa muito generosa, ajudava todo mundo, pensando que a carreira não ia acabar nunca.
Mas meu pai morreu com 38 anos como jóquei e pobre. Eu tinha medo de sobre um acidente grave, ficar inutilizado para a profissão. Como é que eu ia sustentar a família? De que maneira, seu eu ficasse inválido, como muitos?
Eu tive colegas que se suicidaram. Daniel Lopes, com um tiro na cabeça. E Cássio Gonzalez, um argentino, derramou-se um litro de álcool e acendeu um fósforo. Porque ficavam turbeculosos. Daniel Lopes por causa de um caso amoroso. Mas todos pobres. Porque gastavam o que ganhavam.
Francisco Irigoyen foi um jóquei famoso, que ganhou muita corrida, muito grande prêmio. Deixou a profissão relativamente pobre.
Então eu tinha mede de ter um futuro ruim, ainda mais depois que casei. Nasceu meu filho, eu pensava em encaminhá-lo e educá-lo. E como é que eu ai fazer se sofresse um acidente, se ficasse inutilizado?
Então eu procurei guardar. Não com avareza, mas comprava terreno, vendia; comprava uma casa, vendia; construída uma casa, vendia. Comprei a propriedade no Paraná, fui construindo o haras e aquilo foi valorizando, então eu posso dizer que, graças a Deus, hoje vivo sossegado, com o que ganhei no turfe.
Afinal ganhando mais de 2.000 corridas como eu ganhei e ganhando 70% dos grandes prêmios do calendário turfista, tinha de poupar. Se não tivesse guardado eu seria o culpado, unicamente o culpado se pusesse fora o que eu ganhei.
Por isso não tenho amarguras; eu já falei de alguns profissionais que têm muita amargura, mas eu não tenho, felizmente. Justamente por que eles não juntaram nada.
Nunca sofri uma punição por dolo, por maldade; sempre fui conceituado diante da Comissão do Jockey Club.
Lembro de quais foram os primeiros cavalinhos que eu comecei a criar.
O primeiro batizei com a letra “A”. Se chamava Anambé. Eu tinha só duas éguas quando comecei.
E o segundo chamava-se Big Lover; esses foram os dois primeiros potros do Haras.
Depois criei muito cavalo ganhador de muitas corridas.
Eu não tive a infelicidade de ver cria que não ganhasse prêmio importante, mas eu tive um “crioulo” chamado Eterno que ganhou do Vândalo um clássico. E o Vândalo foi um craque.
Big Lover morreu dentro da cocheira. Ele empinou, caiu e deu com a cabeça na parede.
Hoje eu tenho poucos cavalos. Atualmente estou com 3 éguas de cria e o meu lugar é pequeno. Já não estou querendo ser um criador nem médio, sou mini criador, é só para manter o haras e o amor à arte.
Nos anos todos montei bastante para o Sr. José Paulino e Dr. José Bonifácio. Fiquei 16 anos com o Dr. José Bonifácio. Ele me dava sempre a preferência de montar seus animais. Nenhum outro jóquei montava, a não ser quando eu tinha que viajar ou estava suspenso, senão, era só eu que montava os cavalos dele. Dezesseis anos é muito tempo e quando eu me aposentei, estava montando para ele ainda, que fez de tudo para eu não deixar. De fato, eu deixei de montar com 49 anos.
Eu poderia montar ainda bem mais tempo, porque não sentia nada; tinha saúde, me alimentava bem, sempre levei uma vida regrada, nunca fiz extravagâncias. Foi decisão porque meu filho impôs.
“Olha, eu me formo esse ano, já estou noivo, não vou mais morar em São Paulo e o senhor resolve: ou vai morar perto de mim no Paraná, ou então, fica aqui e eu fico lá”
E como é que a gente vai ficar longe de um filho?
Eu poderia ter montando bem mais 3 ou 4 anos.
E depois, porque eu acho assim, que o jóquei estando com saúde, ganhando corrida, o importante é ganhar.

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