05 novembro 2008

Linguagem cifrada


Nesta curta andança pelo Blog deu pra sentir a importância de conhecer a linguagem cifrada do turfe. Ouvido seletivo, sabedoria e prudência na comunicação são também imperativos do ambiente.
O Adolpho Smith de Vasconscelos, ontem, ao entrar com comentário na postagem “Nasceu morto” fala do Moment Of Love como o “malvado, como alguns dizem” substituindo o adjetivo ”bom”.
Muitos anos atrás meu saudoso amigo, Andrés Castilho, proprietário e estudioso de cavalos e retrospectos, ao me ver quebrar a cara com indicações puramente matemáticas advertia: Laércio, você tem que aprender a estudar o páreo pela maldade (coisas do tipo “tem barbada no páreo, fuja da segunda força para a dupla”, e por aí afora).
A expressão “tirar a febre” é outra curiosidade do mundo turfístico e nada tem a ver com a medição de temperatura. É o lero-lero do proprietário (ou profissional) que chega no outro com um papo do tipo “melhorou esse seu cavalo, hem?”, para tentar avaliar a chance do adversário. Aqui quase sempre a pergunta vai “cifrada” e a resposta vem também: “é mais eu preferia uma grama mais leve” ou “vamos ver até quando aquele boleto agüenta” ou ainda “é mas tem o cavalo do fulano que estréia bem”
Perguntas mal feitas têm que ser evitadas sempre. Um dia para economizar tempo perguntei ao treinador AG Rivera: “das suas inscrições de hoje, quais têm chance?”. Recebi a resposta na lata: “todos os cavalos que inscrevo tem chance”
Outra vez, um jóquei de primeira linha comentou numa rodinha referindo-se ao Barroso: “O cara pensa que só ele é o bom. Pra quê que a gente vai se matar? O gasolina toca tudo?. Deixa ele ir”. Dias depois o Barroso foi convidado pelo Nilsão para ir ao programa “Aperitivo do Turfe”, do qual eu participava. Oba-oba daqui e dali, resolvi dar uma de “estrela” e sapequei a pergunta: Barroso, nessas muitas estatísticas que você ganhou notou em alguns páreos que estavam lhe “empurrando”, “trocando figurinha la atrás”? Genovesi me tirou do ar (quanta sabedoria): “Isso é pergunta que se faça para o Barroso? O Sabatina ficou louco”.
Falando um pouco dos ouvidos, que é pra não esticar muito o texto, alguém se deu ao trabalho de auscultar uma entrada de reta? Consta que a centenária Dercy tinha um olheiro (ou seria ouvideiro ?) ali no pedaço. “Sai seu porra” e ”vai que o meu tá morto” são os publicáveis.
Tenho agora um amigo que investiu uns trocos num microfone de alcance (coisas da moderna tecnologia) para desvendar um mistério que intriga os turfistas há muito tempo: o que é que os jóqueis conversam quando vão parelhos rumo ao partidor?
Mas o ouvir das arquibancadas e das beiras de guichês sempre foi mais emocionante. A antiga campainha (parava de soar, apostas fechadas) sumiu quando veio o totalizador. Sumiu junto o autêntico Passarinho (e eventuais sucessores) , personagem que entre o fechamento da casa da pule e a apregoação final bradava alto e bom som: “meus senhores, devo dizer a vocês que o cavalo número três é barbada, é barbadaaaa.....é barbadaaaaaa”, e se punha em desabalada carreira rumo á cerca, com trejeitos janísticos (diga-se de passagem raramente acertava a indicação)
Evaporou também o Zé Mulato (e discípulos), quando as filas de guichê passaram a minguar. Ex cavalariço, bem relacionado com a jocaiada, limitava-se a uma frase, com a qual fazia o ganha-pão: “essa o garoto deu, essa o garoto não deu”, qualquer que fosse o jóquei do cavalo indagado pelo apostador.
Hoje o que se escuta além do bla-bla-bla, não vai além da cornetinha do canter e dos antigo “pega-pelo-rabo”, “toca esse cavalo pro disco, menino”, ou “é barbada”, todos eles proclamados quando o páreo já está decidido, muitas vezes por quem não apostou um tostão.

4 comentários:

  1. saudades

    Ola amigos, lendo os textos do laercio sabato,me transporto ao tunel do tempo passado,que (longe de ser apenas saudosismo),na verdade apenas demonstra de forma inconteste
    o que todos nós da velha guarda sentimos ao relembrarmos dos pareos de antigamente....
    a predominancia de haras tradicionais e grandes,faziam as corridas serem disputadas muito mais pela honra até ,do que pelos premios...quando cada treinador não podia inscrever 2 ou mais cavalos sob numeros diferentes(um alvará de menos)quando as duplas eram ainda chaveadas e transbordavamos de alegria ao percebermos que determinado cavalo pertencente a uma chave havia salvo a nossa dupla mesmo não tendo se acertado o cavalo principal apostado...era ruim?pagava pouco?nada disso porque o movimento de apostas era fortalecido pela volta do jogo de turfistas que hoje, ao procurarem acertar duplas exatas e que tais, ficam duros logo no começo da reunião...sei que o mundo evoluiu,e que há mudanças em todos os seguimentos é claro,mas sei tambem que nunca mais pedirei liçença na"geral"no primeiro pareo de sabado pra me acotovelar entre 2 pessoas entre as dezenas que lotavam o prado, e assistir com adrenalina mais do que redobrada,o desenrolar do(apenas e somente)primeiro pa reo da reunião sabatina.......

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  2. Alberto Leon, apesar de eu ter apenas 41 anos, frequento o Hipódromo do Tarumã desde os meus 6anos, e também posso dizer q sinto muitas saudades dos tempos de outrora. A geral sempre cheia, os amigos. Os inesquecíveis GPs Paraná, vendo craques como Rhiadis, Big Lark, Grão de Bico, Agente e tantos outros... Sinto saudades de ver correr o tordilho Iminiente, (Ali babá e Buriola), que sempre entrava na reta de chegada atrás da ambulância e "voava"no final. Não foi craque, mas era um dos meus preferidos (Com dez anos, correu contra potros de 3 e venceu). Tempos que infelizmente não voltam mais...Mas ainda acredito que o turfe vai voltar aos seus grandes dias, basta a boa vontade de seus dirigentes. Abraços para todos os leitores deste blog, que já é um grande sucesso. Roberto Micka.

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  3. caro micka,
    exatamente 41 anos atras.......
    Ou por volta desta epoca,tinhamos os seguintes milheiros(se vc puder pesquisar faça isso)
    Pacau(o melhor de todos ,pouca fama..)Quartier latin/Osman/Poconé/Uzuki/Junior/
    Prudente/Iguape/etc...etc....todos corredores espetaculares;sem contar outros tão bons quanto,quero dizer com isso que íamos pra ver idolos.....alem de jogar.....idolos que hoje em dia são rapidamente vendidos....ou se machucam com extrema facilidade(não me pergunte o porque...)quem sabe numa proxima possa dissertar como são importantes cavalos ídolos,tanto na vinda de publico ao hipodromo,como na criação e novos turfistas...abraços.

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  4. Meu caro Alberto Leon,

    Estou muito contente que você, uma lenda como conhecedor e marcador de corrida de cavalos, comece a participar mais amiúde dos nossos debates e em consequencia enriquecê-los com seus comentários mais que pertinentes. Contamos com você.

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